A Mãe terra grita por Agroecologia, Da Mãe Terra Esperança e resistência.

terça-feira, 27 de março de 2012

Carta de Dom Tomás a Dom Damasceno sobre comenda oferecida pela Nestle.

Caro Irmão e Cardeal Dom Damasceno,


 Tomo a liberdade de escrever-lhe esta carta aberta e fraterna  sobre  uma comenda que a Nestlé iria lhe entregar no dia 25 deste. Já fizeram o mesmo, anos atrás, com o então presidente da cnbb Cardeal Dom Geraldo.Majella.
    A motivação desta comenda é a Estãncia Hidromineral de São Lourenço.
    Aconteceu, porém, que a Nestlé tornando-se proprietária da famosa mina São Lourenço destruiu-a para sempre ao forçar extrair um maior jorro de água desta fonte milenar, de frágil e complexa produção e de fluxo limitado.  Nestlé cometeu, então, o maior crime ambiental contra nosso patrimônio hídrico.
    Por conseguinte, fica claro que esta comenda não é nenhuma promoção das personalidades selecionadas, mas a tentativa de encobrir este estrago no nosso patrimônio hídrico. O gesto da Nestlé tenta também minimizar o fato da CNBB ter sido signatária da declaração ecumênica sobre a água.
    Há mais: No 1º Fórum Social Mundial em Porto Alegre o grande geógrafo belga Ricardo Petrella denunciou o fato grave da Nestlé e a Coca-Cola estarem comprando todas as nascentes de água no Brasil com o objetivo da mercantilização hegemônica deste produto.
    Finalmente, convém registrar que a a Nestlé foi condenada por um Tribunal internacional de opinião, em outubro de 2005, realizado na própria Suiça, por graves crimes ambientais e trabalhistas cometidos por esta empresa na Colômbia.
    É por isso, meu venerável Irmão, que venho, com todo respeito e confiança, sugerir-lhe que decline esta comenda. É uma questão de Justiça. É também uma forma de preservar a imagem de nossa querida CNBB. Vejo que está em cima da hora. Mas confesso que recebi esta comunicação há pouco tempo.
     Saúdo-o com fraterna amizade nesta  caminhada para a Páscoa do Senhor.
    Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás.

quarta-feira, 21 de março de 2012

NAS VEREDAS DO SEGUIMENTO DE JESUS


notas a título de resumo do livro de José Comblin. O Caminho. Ensaio sobre o Seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004. (227 pp.)

Alder Júlio Ferreira Calado



            A mensagem do Evangelho colide, com espantosa freqüência, com a lógica da religião. E esta tem predominado amplamente, também nos dias de hoje. Nos primeiros tempos apostólicos, antes mesmo de a convivência e as práticas dos seguidores e seguidoras de Jesus ainda não serem conhecidas como “cristianismo”, era muito simples a vida, alimentada pelo testemunho da solidariedade, da partilha, do serviço, do espírito missionário. Nunca como nos primeiros séculos, a mensagem do Evangelho se disseminou tanto pelo mundo então conhecido.
Mais um relevante e oportuno ensaio de Comblin! Vem associado a outros dois (A Verdade e A Vida em busca da Liberdade), compondo assim uma trilogia, na perspectiva evangélica como Jesus se autodefine: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”
            O livro compõe-se de três capítulos (Esperança, Fé e Amor), além do prólogo e da breve conclusão. No prólogo, o autor trata de sublinhar a distinção entre religião e a proposta de Jesus. Distinção de grande relevância e bastante oportuna, pela sua impactante  atualidade. Ao inserir-se na religião de seu tempo, Jesus não hesitou em combatê-la, sempre que conflitava com valores do Projeto de Deus que Ele veio “anunciar e iniciar”, como costumava enfatizar o teólogo Luiz Carlos Araújo. Não foi por acaso que foi perseguido e condenado à morte, e morte de cruz. Embora Ele não vindo para destruir a religião, mas para aperfeiçoá-la, colocando-a em sue lugar, o autor destaca que religião tem a ver com a cultura de um povo, de todos os povos, não necessariamente com a mensagem do Evangelho: “Com o decorrer dos tempos, o cristianismo chegou – em muitos casos – a identificar-se de tal maneira com a religião, que muitos já não percebem a diferença e se acham cristãos simplesmente porque se submetem a todas as prescrições da sua religião. No entanto, alguém pode ser católico rigoroso e ignorar a mensagem e o caminho de Jesus. Pode praticar todos os ritos, aceitar todos os dogmas, obedecer cegamente às normas da instituição e observar a moral, e, ao mesmo tempo, estar fora do caminho de Jesus. O conflito de Jesus com os sacerdotes, os doutores e os fariseus teve por objeto exatamente essa situação ”  (p. 9).
            Na introdução do primeiro capítulo, consagrado à Esperança, Comblin assinala o sentido da Esperança para os cristãos, em diferentes épocas. Nos primeiros tempos do Cristianismo, a Esperança estava ligada à expectativa iminente da segunda vinda de Jesus. Não se tratava de uma Esperança que motivasse especial empenho de mudança já neste mundo. Na Idade Média, em função da teologia eclesiástica dominante, era forte a sensação de que o Reino de Deus já havia chegado, razão por que se tratava apenas de esperar a vinda “do mundo que há de vir”.Tratava-se, então, de defender o Reino que aí estava. A teologia oficial fazia circular o discurso da caridade. Isto implicou, de fato um florescimento de obras de caridade, sobretudo a partir do século XI. “Mas, ao lado desse magnífico desenvolvimento do amor cristão, houve também enorme corrupção – sobretudo porque a maior parte da hierarquia não dava o exemplo dela esperado.”(p. 13). O fato de o discurso oficial priorizar as obras de caridade não impediu, na prática, o envolvimento da instituição com guerras, com a Inquisição, com as cruzadas...Todo um sistema de dominação ao qual se contrapôs, durante séculos, o clamor por reforma. “Porém, o projeto dos reformadores não era a restauração da caridade na justiça para com o povo dos pobres. Os reformadores que defendiam esse projeto (Th. Münzer e outros) foram derrotados. Os que prevaleceram eram clérigos e achavam que o problema básico da cristandade era de tipo doutrinal ou teológico.” (p. 14).
            A cristandade, de um lado, havia feito quase uma fusão entre Igreja e mundo, enquanto a Reforma se equivoca ao fazer uma separação excessiva, por medo de contaminação. Impulsionada por um discurso centrado na fé como única garantia de salvação (o autor classifica o período inaugurado pela Reforma de a “era da fé”), a Reforma vai implicar uma tendência de tipo acentuadamente doutrinal; “Não se preocupou com .a sorte dos pobres e oprimidos deste mundo.” (p. 14). Reação à qual a Contra-Reforma vai reagir, no mesmo tom apologético, contrapondo-se aos protestantes.
            A expansão da cristandade pela América Latina consolidaria tal dualismo, separando corpo e alma, Igreja e mundo, etc. A missão dos eclesiásticos na América era apenas de salvar almas, nada tendo a ver com o sofrimento de povos inteiros: “Os religiosos foram convidados a permanecer nos conventos e os padres nas sacristias.” (p. 16).. E assim permaneceriam, até o século XX, não apenas a Igreja Católica, também as outras Igrejas cristãs, cegamente afeitas à defesa incondicional de suas respectivas doutrinas, reduzindo o Cristianismo a um depósito de verdades, ameaçadas pelo mundo, do qual deviam fugir, enquanto as sociedades modernas começavam a  respirar um clima de emancipação, tanto da Igreja Católica quanto das Igrejas reformadas. (cf. pp. 17-18). .
            Os ventos de emancipação e de progresso, insuflados pela modernidade, suscitariam um esforço de produção teológica alternativa. Foi o caso do extraordinário teólogo Jürgen Moltmann. Calvinista, desencantado com os rumos da teologia então dominante, sobretudo em virtude de sua sisudez e insensibilidade ante os ventos de esperança que a modernidade vinha despertando, tratou de estreitar relação com pensadores da época. Entre eles, o filósofo alemão Ernst Bloch, um marxista heterodoxo que, na época, vinha sendo  perseguido pelos controladores do marxismo ortodoxo, por conta de sua linha de pesquisa, de encantamento com o tema esperança, que ele ia descobrindo a partir de suas próprias leituras do Cristianismo, tal como se percebe em sua obra principal, Princípio Esperança. “O marxismo de Bloch era bastante humanista e dava à subjetividade uma importância que a ortodoxia marxista não podia tolerar.” Foi assim, a partir da contribuição de Bloch, que Moltmann vai empreender uma verdadeira revolução na teologia da época, ao escrever o clássico A Teologia da Esperança. (p. 19).
            Até então, a teologia da esperança ocupava-se mais do indivíduo, sem nada a dezer sobre o mundo, sem diálogo com a modernidade. Predominava amplamente a visão helenizada de mundo, no qual praticamente não havia lugar para a esperança, até porque  o mundo era concebido como algo estático, imutável. Deve-se à contribuição de autores como Moltmann a recuperação da esperança cristã, a recuperação da dimensão escatológica do mundo e da história, sem que isto se reduzisse a uma mera evolução cega das forças produtivas, da simples evolução econômica ou científico-tecnológica, ao estilo do marxismo ortodoxo, visto que “A salvação não vem pela ação de fatores materiais por si só, mas precisa da conversão dos seres humanos.”  (p. 22))..
            Avanços nessa direção não se conseguem tanto por meio da ciência e da tecnologia – embora essas tenham seu lugar na conquista de novos patamares -, mas fundamentalmente pelo apelo dos profetas de ontem e de hoje. Foi sobretudo graças à escatologia bíblica, que se vai dar a ruptura com a teologia helenizada, de expressão escolástica. E esse o caminho que vai reaver o sentido da história na caminhada dos cristãos, permitindo o exercício do diálogo com a modernidade. O  Concílio Vaticano II vai ser um marco nessa direção. Foi essa descoberta da força escatológica de base bíblica – portanto do sentido da esperança -, que permitiu a irrupção da Teologia da Libertação, na América Latina.(pp. 22-23).
            Ocorre que a esperança assume diferentes sentidos, em diferentes regiões e culturas. Na América Latina, por exemplo, dada a situação de povos humilhados, a boa nova desperta a atenção dos pobres e humilhados. Vítimas seculares de sistemas de exploração, de dominação e de marginalização, o Evangelho torna-se boa notícia para os povos vencidos e humilhados. À semelhança do que se passava com os camponeses da Galiléia que Jesus escolheu como seu lugar de predileção, de missão: “Jesus foi para a Galiléia. A opção básica por esse lugar já significava boa-nova, evangelho. Jesus nem precisava falar muito. A escolha do povo da Galiléia para fazer os seus sinais falava por si mesma.” (p. 24)
            Ir para a Galiléia constitui para o autor, com palavras contundentes, a grande referência do caminho de Jesus. Um desafio também para os dias de hoje. Poucos são os que empreendem o caminho da “Galiléia”, como lugar de referência maior da ação evangelizadora: “É urgente ir para a “Galiléia”. Quem faz isso, torna-se sinal de esperança. Qual é o lugar privilegiado dessa esperança? Exatamente essa Galiléia.” (p. 25).
            Nesse tópico (pp. 23-31), o autor se reporta ao sério desafio de se lidar com a esperança dos vencidos, dos humilhados, sublinhando o caso da América Latina. Aqui, os povos indígenas sofreram – e sofrem – uma humilhação multi-secular, expressão e resultado do processo de colonização. Sofreram, não apenas o processo de invasão – por si só, profundamente corrosivo -, mas também a desorganização de sua vida cultural, política, social... E não apenas os povos indígenas: também o povo negro, os camponeses pobres, todos eles, ainda hoje, vivendo à margem, à deriva, junto com seus filhos e filhas – os sem-terra, os sem-teto, os favelados.. Nesse contexto, as classes dominantes também lhes roubam a esperança. Caem no desespero, ameaçados de sucumbirem ao medo, à fuga ou até à adesão aos valores dos setores dominantes.
            Enfrentar cristãmente tal desafio implica ajudar os vencidos a reaverem a esperança; implica vencer a tentação frente ao adesismo, o medo, a fuga, bem como implica vencer a tentação do apego da volta ao passado. Para Comblin, diante da situação de “muitos cristãos que enxergam a sua religião no passado e não imaginam o que poderia significar no futuro. No entanto, o refúgio no passado é uma perda de vitalidade. Afinal a volta ao passado é anticristã. Cristianismo é a caminhada para o futuro, com confiança “.” (pp. 30-31).
            O autor alerta, no tópico seguinte – “Esperança e desejo” –quanto à necessária distinção entre a esperança cristã e uma superficial satisfação de desejos e necessidades que o Mercado excita, numa perspectiva consumista. Esperança tem a ver, sim, com desejos mais fundos, o de dignidade, por exemplo. Dignidade de reconhecimento como gente, de se contar com o respeito à condição da pessoa humana, tem a ver com o lugar que as pessoas sentem ter na sociedade. Não é por acaso que o direito à dignidade tem constituído uma reivindicação comum dos movimentos sociais populares. Só assim sua esperança tem vez. O que implica a necessidade de mudança profunda da forma como a sociedade se acha organizada. Tarefa dos discípulos de Jesus: “O que faz um discípulo de Jesus é acreditar na possiblidade de um mundo novo e trabalhar para que isso aconeça.” (p. 33)
            A esse prpósito, chama especialmente nossa atenção o profético alerta do autor, quanto a identificar essa busca de libertação integral com o Reino de Deus: “Tudo isso é o que no evangelho Jesus chama de Reino de Deus, tornando-se possível a liberdade do homem e da mulher. Reinar é libertar. O Reino de Deus é a libertação do homem oprimido graças à mudança total da sociedade: todos se reconhecem “próximos”. Quem segue a Jesus busca esse Reino e todo o resto vem acréscimo.” (p. 33).
            Eis a marca do Reino de Deus, ante a qual já não faz sentido interpor-se concorrência: “Seria grave erro confundir Reino de Deus com instituição eclesiástica, pedindo, dessa maneira, que os fiéis se preocupem com a instituição. Se assim fosse, não haveria como encontrar um sentido para a esperança.” (Nota da p. 33)
            É também a esperança, e não a mera satisfação de desejos, ao sabor do Mercado, que confere vitalidade aos discípulos e discípulas de Jesus. Não se trata de reprimir desejos, mas de entender estes como correspondentes ao acréscimo recebido pelos discípulos e discípulas do Seguimento de Jesus: “Quem entrou no caminho da esperança, na caminhada do Reino de Deus, não precisa reprimir os desejos porque se sente realizado.” (p. 34).
            Desafio maior se apresenta para os pobres que ainda não se sentiram tocados pela vocação à Liberdade, à medida que se tornam, não raro, presas fáceis do sistema, tornando-se reféns de uma infinidade de desejos que o Mercado propaga, e não lhes sendo acessíveis, tudo fazem para alcançá-los, inclusive sucumbindo ao mundo das drogas. (cf. pp. 33-34). A quem, por outro lado, tem a graça de responder aos apelos do Reino de Deus, “A satisfação dos desejos é dada por acréscimo, mas não pode ser objeto da preocupação primordial. O discípulo recebe essas satisfações sem buscá-las, porque elas estão no caminho. Colhe as flores, mas não faz das flores um comércio ou o objetivo de sua vida. A dinâmica dos desejos é substituída pela dinâmica da esperança.” (p. 35).
            A dinâmica da esperança opera na contramão de dois fortes apelos: a busca de satisfação de desejos, na ótica do Mercado, e, por outro lado, a recusa dos desejos pelo recurso a técnicas individuais em vista do equilíbrio perfeito. Aqui o autor chama a atenção, seja contra o equívoco da chamada teologia da prosperidade (nas igrejas neopentecostais, reformadas ou católicas) , empenhada em satisfazer, pela sobrecarga de emoções e outros procedimentos, desejos imediatos; quanto contra os riscos do equilíbrio perfeito, centrado no indivíduo, indiferente à sorte do mundo.
            Na caminhada rumo à esperança, um outro desafio enfocado pelo autor é a presença do medo (pp. 37-40). Há um clima de medo que percorre o campo e a cidade, apoderando-se das pessoas, deixando-as imobilizadas. Medo da violência, medo da bandidagem, medo da polícia, medo da violência doméstica... Apesar desse tipo de medo, há sinais de enfrentamento. Há sinais de que, apesar disso, pode-se seguir adiante, criando-se coragem para enfrentar esse desafio de cada dia. Há, porém, um medo ainda maior: o medo e existir em meio a uma sociedade de profundas e crescentes desigualdades. Medo de gritar, medo de reivindicar, medo de protestar contra as injustiças sociais, medo de manifestar sua indignação, medo da repressão das forças do Mercado e do Estado. Situação ainda mais complicada, quando se percebe a mudança de posição por parte de quem antes lutava junto com os pobres: “Muitos líderes socialistas cederam aos encantos da burguesia e do capitalismo e já não têm mais condição de lutar por uma socieadade nova..” (p. 38).
            Também para o medo só há remédio na esperança. Os discípulos e discípulas de Jesus sentem-se de tal modo entregues ao Projeto do Reino, que nada temem. Nem a ninguém. Os mártires constituem o exemplo mais emblemático de confiança e de fidelidade ao Evangelho: “Os mártires são sempre os arautos da esperança. Quando os mártires desaparecem, pode-se deduzir que a Igreja perdeu a esperança. Ela já não está mais implicada nas lutas pela libertação humana. Esperar é agir, comprometer-se” (p. 40).
            O ítem quinto do capítulo comporta uma reflexão pertinente sobre a busca da esperança  por meio de processos revolucionários, ou de revoltas populares alimentadas pela utopia. O autor constata o grande número de revoltas populares, por toda a parte. Revolta como reação do povo dos pobres às experiências de exploração, de opressão e de marginalização a que foi submetido pelas elites. As massas chegam ao seu limite, e explodem de indignação, não sem a ajuda de segmentos de seus aliados. Revoltas que devem ser distinguidas de revoluções. Estas assumem um caráter mais duradouro de mudança. Umas e outras não devem ser confundidas com a esperança do Reino de Deus, mas é preciso nelas reconhecer traços em comum. Têm a ver com o Projeto de Deus sempre que consigam implicar mais justiça social, mais solidariedade, mais distribuição das riquezas com o povo dos pobres. Mas, não raro, têm acabado em proveito de minorias à custa de promessas fáceis não cumpridas. E há algo ainda mais complicado: “Pensa-se que a destruição do poder opressor trará a libertação. No entanto,  a esperança diz que a tarefa não é tão fácil, porque, uma vez destruído o poder opressor, chega-se a um desafio mais difícil: como iniciar uma sociedade diferente com os mesmos seres humanos que estavam tão enraizados na situação de opressão?” (p. 43).
            Um alerta relevante por parte do autor diz respeito à complexidade de se pôr em prática um projeto alternativo de sociedade. Não se trata de pretender superar o opressor externo. A relação dominação-submissão constitui algo de que o ser humano se acha impregnado. O fato de se mudar a estrutura econômica e de poder, em determinada sociedade, não implica uma superação automática das relações antes vigentes, até porque os protagonistas de tal mudança também se acham impregnados dos valores antes dominantes. Disto são emblemáticos numerosos casos, inclusive no processo de descolonização dos povos africanos, ou mesmo no caso da Nicarágua, em relação ao qual o autor remete ao depoimento de Fernando Cardenal. (pp. 43-44).
            A esperança ensina que só os pobres são capazes de lutar por mudança. Dos privilegiados não há iniciativa de mudar, antes de manter a situação que lhes é favorável. Os pobres contam com a contribuição também de cristãos. Ocorre que, por vezes, também estes se apegam ao poder, e perdem contato com o povo, a ponto de aproximar-se demais do poder, e já não ter em conta o sofrimetno do povo dos pobres. Até o PT e seus militantes antes mais combativos, perdem força nessa direção, acabam apostando de tal modo nos espaços institucionais do que em sua confiança e proximidade com o povo dos pobres.
            Inadvertidamente, até cristãos críticos se deixam encantar pelo poder, a ponto de já não manter a mesma postura profética de outros tempos. O distanciamento do povo simples leva inevitavelmente alguns cristãos a tal postura. Ao se distanciarem do povo, acabam descomprometendo-se com sua causa libertadora, dela restando-lhes apenas o discurso. Aqui o autor menciona o caso do PT, pelo qual também cristãos se deixaram seduzir: “Houve também cristãos que se deixaram impressionar pelo mito da modernidade, justamente eles que poderiam ter sido mais realistas.” (p. 46).
            De todos os modos, cabe aos cristãos ser fermento dos movimentos sociais populares, mantendo, porém, autonomia. Até propõe alguns critérios de possível colaboração: tratar-se de movimento que aspire a construir uma nova sociedade; que apostem na formação e na mística; o entendimento de que a conquista do povo é mais importante do que a conquista do poder; entre outros. (cf. pp. 47-48).
            A esperança cristã se vive no contexto histórico de incertezas e possibilidades, não de certezas abstratas. A tentação da teologia tradicional, expressa na doutrina social da Igreja, contenta-se com afirmações abstratas, pretensamente universais, a-históricas, sem consideração às particularidades culturais e históricas. Suas postulações dificilmente se aplicam a situações concretas, por se apresentarem como se fossem válidas para todas as culturas. A esperança cristã faz-se atenta aos sinais dos tempos, ao que se passa no campo da história. A esperança cristã é uma história no interior da hlistória da humanidade. A Bíblia, ainda que não seja um livro de história no sentido moderno do conceito, apresenta uma narrativa – a história das promessas de Deus a seu povo, e a esperança desse povo em alcançá-las. (cf. pp. 53-55).
Às vezes, em virtude de tantos reveses sofridos pelo povo, esse mesmo povo inclinava-se ao desânimo e à descrença. Mas, os profetas – mandados por Deus – tornavam a lembrar e a animar o povo sobre a fidelidade de Deus às suas promessas. Também é assim, no Novo Testamento: este também se configura como uma história da esperança do povo dos pobres.
Assim não entendeu a teologia escolástica, expressão da visão estática da hierarquia. Para esta o Reino de Deus já havia alcançado sua plenitude nesta terra, nada mais restando à Igreja e seus membros ficarem à espera passiva da segunda vinda de Jesus. Com isso a teologia escolástica decretava o fim da história, a não ser no que diz respeito ao seu projeto de aumentar seu poderio, com o pretexto de expandir sua ação missionária na América, por meio da conquista. Muitas foram as oportunidades perdidas pela hierarquia da Igreja, de dialogar com outras culturas, dentro do respeito e do mútuo aprendizado. Em vez disto, preferiu enjaular-se em seu próprio mundo, tentando incorporar a si territórios e povos. (cf. pp. 56-61).
            A hierarquia das igrejas cristãs – não atendendo ao apelo da esperança – passaram ao largo, muitas vezes, das realizações históricas: lutas contra a escravidão, contra as opressões de classe, de gênero, de etnia, resultando em conquistas memoráveis, ainda que parciais. Estas se fizeram, quase sempre, sem a participação efetiva das igrejas: “Infelizmente as Igrejas ficaram muitas vezes alheias a essas realizações parciais mas autênticas do Reino de Deus.” (p. 62).
            Curiosa e oportuna a observação do autor, de como, nessas trilhas da esperança - de que são expressões tantas realizações humanas -, se dá a presença do Espírito Santo. Dá-se na ação dos profetas e profetisas que atendem aos apelos do Espírito Santo. Este não muda propriamente os recursos das pessoas que se lançam profeticamente aos desafios, mas potencializa sobremaneira sua ação: “Cada um de nós conhece casos de pessoas que se converteram: eram inertes, indiferentes, passivas e, de repente, movem-se, começam a agir, a promover nova e intensa vida social.” (p. 63).
            A Esperança cristã é peregrina! Vive em caminhada, nas pegadas de Jesus, o Peregrino, aquele que percorria incansavelmente os caminhos da Galiléia, passando por aldeias, vilas, cidades e povoados. O povo dos pobres, do qual Jesus fazia parte, é um povo de “peregrinos e estrangeiros”, como assinala a Carta aos Hebreus (Hb 11, 13). Francisco de Assis bem se aproxima desse ideal de vida. Também era um peregrino, e assim enviava seus irmãos, dois a dois, a peregrinarem. Remetendo a Kajetan Esser, em seu livro Origens e Espírito `Primitivo da Ordem Franciscana (Vozes, 1972: 66-72), Comblin afirma a propósito de Francisco de Assis: “Proibiu que os irmãos tivessem casa e nunca, nos primeiros documentos, aparecem irmãos como guardiões ou ministros encarregados de dirigir uma casa.” (p. 65).
            A história do Cristianismo é marcada pela peregrinação. Antes mesmo do testemunho peregrino de Francisco, já havia a tradição da peregrinação a Santiago de Compostela. E a exemplo dessas, tantas outras experiências de peregrinação. Inclusive as protagonizadas por peregrinos e peregrinas sem rumo definido. Fazer estrada se lhes afirma como um jeito de existir, de ser, de se humanizar. Os peregrinos e as peregrinas seguem as pegadas de Jesus, o peregrino por excelência. Ele vivia passando fazendo o bem, peregrinando por vilas e aldeias. Os peregrinos não estão à procura de receber algo, de possuir, de ter – bens, propriedades, favores... Não é o ter que os motiva. Querem, sim, ser mais humanos, abrir-se aos outros, ver, observar, ouvir, sentir, aprender no e com o caminho. “Caminhando, o peregrino aprende a aproveitar tudo, sem se apegar a nada, torna-se livre, aberto ao mundo e aos outros, menos apegado a si mesmo e mais entregue aos outros. Ele se torna despreocupado e vai adquirindo a qualidade de que fala Jesus quando alude aos lírios do campo. Essa é uma imagem de esperança”. (p. 66)
            Importante para o peregrino, no Seguimento de Jesus, é a persistência, a perseverança. Nas experiências de caminhada, sobrevêm as provações, e a peregrinação pode ser interrompida. O peregrino aspira a ir até o fim, como o fez Jesus. Daí seu pedido, não sendo na direção de bens ou posses, vai no sentido da perseverança. Sabe que não pode garantir isso por suas próprias forças. A esperança tem seus tempos. Esperança para uma hora, para um dia, para uma semana, para um mês, para um ano, para a vida terrena e para além dessa vida. Também, a esperança manifesta-se diversamente a partir das situações concretas da pessoa (de sua cndição econômica, de sua condição étnica, de sua formação, idade, etc. Para quem cultiva os sonhos de ser mais, os sonhos de juventude vão se desenhando na fase adulta e na velhice. Na peregrinação da esperança, também os ritmos dos viandantes são distintos: há os que vão mais à frente, os que têm dificulade de caminhar, os que desanimam por um tempo e depois retomam a peregrinação... (cf. pp. 67-70).
            A esperança nos inspira vivê-la bem no presente, sem sucumbirmos ao “apocalipsismo” que um desvio da esperança cristã: “A vida eterna é o ponto de chegada da peregrinação. Ela procede da peregrinação terrestre, da esperança vivida cada dia nestte mundo. Uma vida de penitência e mortificações é vã: não nos prepara para a vida eterna, mas desvia o verdadeiro sentido da esperança.” (p. 70)
            No último tópico deste capítulo dedicado à esperança, o autor reflete sobre o que tem a ver o profeta com a esperança. “Não há esperança sem profetas. A missão dos profetas é suscitar e alimentar a esperança.” (p. 71). Desde os profetas do Antigo Testamento a Jesus, o Profeta, até os profetas e as profetisas de hoje, sua vocação é de, falando o que o Espírito, lhes comunica, denunciar as injustiças dos poderosos, e de anunciar que outro mundo é possível e necessário. Sua missão é lembrar as promessas feitas, desde a Abraão, sempre que delas o povo vá se esquecendo, seduzido pelos valores de uma cultura. Como sinal do Reino de Deus em marcha, a Igreja cumpre a missão de uma minoria, de uma parcela do Povo de Deus, chamada a ser sinal dos valores desse Reino, razão por que “A Igreja não tem finalidade em si mesma. É um sinal levantado para atrair todas as nações. É um sinal de esperança”. Por essa razão, alerta o autor, â medida em que aparece como um povo ao lado de outros – com tanta especificidade como os outros, gerando uma cultura como os outros -, ela deixa de ser sinal para se confundir com os outros. (...) A Igreja atual cultiva com grande cuidado a sua identidade, a tal ponto que essa preocupação chega a ser patológica em certos momentos (...) Agarrada à sua identidade, a Igreja tounou-se incapaz de falar até mesmo para os povos que já foram cristãos durante séculos.” (pp. 71, 72 e 73).

(Nota: Até aqui, foi contemplado apenas o primeiro capítulo, sobre a Esperança)

quinta-feira, 15 de março de 2012

CONDIÇÕES INARREDÁVEIS DE CONVIVÊNCIA SAUDÁVEL COM O PLANETA, COM OS VIVENTES E ENTRE OS HUMANOS:


Questionamentos em vista da Rio + 20, e para além dela...

Alder Júlio Ferreira Calado


            De acontecimentos impactantes está repleto 2012. Dentre eles, a Conferência Rio + 20, os preparativos para a Copa do Mundo e as eleições no Brasil e outros países. De certo modo, situam-se – uns mais, outros menos – num plano mais lúdico ou de efeito pirotécnico. Fazem parte, até certo ponto, do “déjà vu”. Diante deles, se não devemos alimentar um olhar de subestimação, tão pouco nos convém – a quem se posicione a favor dos clamores da Terra, dos viventes e dos injustiçados - superestimá-los. Basta que os situemos no seu devido lugar. Esse é o sentimento a partir do qual seguem alguns registros e ponderações.
            Investir o melhor de nossa esperança no processo eleitoral – aqui e alhures – seria fazer vistas grossas a reiteradas apostas fracassadas, ao menos quanto aos nossos objetivos macro-sociais. Essa tem sido a regra. No varejo, sempre se colhe alguma coisa de positivo. Migalhas são distribuídas com tal pirotecnia – não é à-toa o percentual do erário destinado ao “marketing” político! - que aos olhos de não poucos, passa despercebido com quem fica realmente a parte substantiva do bolo orçamentário...
Ainda que tivesse havido séria reforma política – e com isso não me iludo! Não só eu, aliás: há inclusive parlamentares da base aliada e da oposição que assim pensam, e alguns que têm a coragem de dizê-lo de público! –, cumpre lembrar que, por meio das eleições, querendo ou não, estamos a legitimar a continuidade da lógica do sistema. As democracias ocidentais delas se valem, como sustentação meramente formal. Passado o período eleitoral, a coisa se passa como se tem passado, e já não temos o direito de confessar-nos inocentes...
            Ao fazer tal constatação, não nos move um sentimento de um denuncismo estéril, impotente. Somos, antes, impulsionados a ousar tentar outras formas possíveis de organização social. Já sabemos no que dá a atual...
Bem funcional a essa mesma lógica sistêmica, têm-se apresentado, em escala mundial e com um “marketing” avassalador, as gestões visando a garantir a realização, no Brasil, da próxima edição da Copa do Mundo, não sem contar com uma infraestrutura perdulária e mesmo escandalosa. À semelhança de outros mecanismos componentes do “sistema totalitário mercantil” (cf. filme-documentário “De la servitude moderne” ou “El orden criminal del mundo”:
a forma empresarial assumida pelos esportes, em particular o futebol, cumpre bem uma função legitimadora, coonestadora do sistema, especialmente no que diz respeito à função diversionista, de espetáculo, a evocar o famigerado “pão e circo” da Roma antiga...
            Indigna-nos constatar, com sinais cada vez mais impactantes, o caráter mafioso que tem campeado nas instâncias empresariais que organizam o futebol, em diferentes âmbitos, de modo a tornar uma arte tão fascinante (sou torcedor do União, em Pesqueira; do Treze, em Campina Grande; do Sport, em Recife; do Vasco, no Rio; do Santos, em São Paulo) numa empresa mafiosa das mais perdulárias. Quem ganha com essa estrutura? Que critérios de decisão seguem suas instâncias organizativas? Como e por quanto tempo são eleitos seus “representantes”? Há algo mais detestável do que a forma de organização e gestão da FIFA e das instâncias a ela subordinadas, mundo afora? Uma verdadeira ditadura suportada, não apenas pelo Mercado e pelo Estado, também por enorme massa de cidadãos e cidadãs... Até quando?
            Ainda que esses três acontecimentos (Copa, Rio + 20 e eleições) se achem relacionados, de algum modo, nosso intento aqui é de centrar mais atenção na Conferência Rio + 20, ou, mais precisamente, em três pontos que hão de continuar desafiando-nos, para bem além da Rio + 20 e conferências similares. Refiro-me ao modo de produção, ao modo de consumo e à gestão de sociedade, em sua interação com o Planeta.
            Se há algo sobejamente provado e comprovado – e não apenas em razão das últimas e definitivas crises do Capitalismo – é que não há a mínima chance de sobrevivência do conjunto dos humanos e demais viventes, dentro das condições capitalistas de existência, desde seu modo de produção e de consumo, passando pela sua forma de organização política, até sua grade de valores.
Se tomamos como foco, por exemplo, a questão sócio-ambiental, no mundo e no Brasil, e as respectivas políticas em curso (a exemplo da chamada Transposição do São Francisco e da hidrelétrica Belo Monte), são abundantes e convincentes os sinais desse modo de produção: o desenfreado aquecimento global, a mudança climática, a crescente escassez de água doce, os crescentes níveis de comprometimento da saúde dos rios, dos oceanos (os crescentes e gigantescos acidentes provocados pela insana exploração de petróleo e outras matrizes energéticas, inclusive a atômica, nocivas ou ameaçadoras do da vida no Planeta), o caráter deletério das matrizes energéticas dominantes, a lógica prevalecente da exploração de minérios, o abuso de agrotóxicos, o envenenamento dos rios, dos mananciais de água, da vegetação, dos alimentos e dos humanos... Sugiro a quem ainda não tenha visto, ter acesso, via Youtube, ao filme-documentário “O veneno está na mesa”, do diretor Sílvio Tendler:
            Ainda no plano do modo de produção vigente, importa assinalar igualmente os frutos nocivos do mesmo “sistema totalitário mercantil”: acentuada concentração de riquezas, grande parte das quais auferidas em cima da indústria bélica/de armamentos; do tráfico de drogas; da mercantilização da saúde, sob uma vasta multiplicidade de formas; as profundas desigualdades sociais espalhadas mundo afora; privatização das fontes de vida (terra, água, florestas...); os mecanismos escandalosos do capital financeiro, inclusive por meio de seus paraísos fiscais blindados; o controle ditatorial da mídia comercial, sob desavergonhados pretextos de “liberdade de imprensa”; submissão dos Estados nacionais aos interesses e às políticas econômicas ditadas pelos grandes conglomerados transnacionais...
            Quanto ao modo de dc consumo, os estragos não são menores. Desafio enorme! Sim, porque o Capital é fundamentalmente, como se sabe, uma relação social, em todos os seus componentes: da produção à circulação; da troca ao consumo, passando pelas instâncias de decisão e pelas manifestações culturais e até religiosas (“Pequenas igrejas, grandes negócios...).
No caso específico do modo de consumo, as relações capitalistas impregnam de tal modo as estruturas do Mercado (e de seus parceiros, a começar pelo Estado), que é capaz de a todos converter em súditos. A dinâmica do modo de consumo expressa-se, por exemplo, pela sua enorme capacidade de produzir em série “necessidades” de todo tipo. Necessidades artificiais que passam a impulsionar sobremaneira o movimento de compra e venda. Nem o público infantil é poupado, fazendo-se inclusive de forma mais perversa, no caso da oferta desmedida de produtos e serviços que estimulam e hiper-erotizam precocemente meninas em tenra idade, logo transformadas artificialmente em ávidas consumidoras de produtos e serviços  destinados ao público adulto feminino.
            Pode-se imaginar a enorme variedade de produtos e serviços completamente inúteis ou mesmo nocivos, objeto de intenso bombardeio sobre tantos outros segmentos da população. Nem faltam, nesse sentido, apelos sedutores ao consumo exacerbado de produtos e serviços destinados a felinos, a caninos, etc. Aí são investidos bilhões de dólares! E a moda já ““pegou” no Brasil!...Na esteira desses exemplos, tantas outras situações podem servir de ilustração...
            Por outro lado, nunca é demais assinalar que, sendo o consumo também uma relação social, isto significa, concretamente, que, se há tanto sucesso para um serviço do tipo do famigerado Big Brother Brazil, é porque ele conta com fiel audiência de seu “distinto público”. E, também aqui, de modo semelhante ao que se passa no caso do processo eleitoral – em que é fácil acusar-se o “político ladrão”, e silenciar-se quanto à responsabilidade ético-política do eleitor -, ocorre uma efetiva colaboração na obtenção de sucesso de tais iniciativas.
            Muito ainda temos a percorrer, igualmente – e ainda quanto aos apelos consumistas do Mercado -, em atitudes proativas de efetiva cidadania, assumindo nossa parcela de responsabilidade nesse processo. Ampla é a lista de serviços, de produtos eletrônicos, de produtos alimentícios e bebidas que consumimos, com pouco ou nenhum respeito tanto à nossa saúde quanto ao bem do Planeta: dos refrigerantes aos transgênicos; de carros de marca a uma vasta gama de produtos eletrônicos e tantos outros produtos industrializados... E o quê dizer dos medicamentos, bem ao estilo da medicina mercantil? Quem ganha com isso? Quem perde? Isto não quer dizer que, fazendo nossa parte individual, abdiquemos da luta coletiva. Uma coisa deve implicar necessariamente a outra. Mas, já não se admite como justificável a versão de que não adianta ocupar-nos das pequenas coisas: temos que atacar as grandes coisas. Por que não as duas, até porque elas se acham mutuamente ligadas?
            O terceiro ponto ao qual antes aludimos, é concernente à gestão de sociedade, que também aqui focamos de modo dinamicamente articulado aos aspectos antes tratados. Com efeito, tanto o modo de produção quanto o modo de consumo interagem dialeticamente entre si e com a forma de gestão de sociedade. Nenhum deles é possível compreender adequadamente, de forma isolada. Fazem parte de uma rede de relações. Se aqui enfocamos cada um, de modo específico, isto se deve a uma opção metodológica de exposição. No caso específico da gestão de sociedade, esta obedece às diretrizes fundamentais do mesmo sistema.
Seus elementos constitutivos bem se encaixam na configuração geral do sistema, cujos frutos comportam a mesma marca. As sociedades capitalistas assumem o formato ocidental de democracia representativa, tendo como referência maior, além do Mercado, também o Estado e respectivos aparelhos. Regem-se com base na dita separação de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), cada qual agindo formalmente em seu domínio específico, pretensamente de modo autônomo e harmonioso. Isto como diretriz formal. No realismo do dia-a-dia, as coisas não se passam bem assim, bem o sabemos... O aparelho legislativo, por seu turno, organiza-se na dinâmica dos partidos políticos, nas esferas federal, estadual e municipal, a título formal de representação dos distintos segmentos da sociedade. Na prática, como regra, num espectro de cerca de trinta partidos, eles mal representam seus próprios interesses...
            Há outros componentes complementares. Um deles: o processo eleitoral. As eleições periódicas (a cada dois anos) constituem um traço relevante na configuração das democracias representativas, à medida que correspondem ao elemento mais fortemente ligado à legitimação do sistema.
            Na prática, no entanto, esse formato esconde - mais do que é capaz de mostrar -as contradições insolúveis do sistema. Presta-se sobremaneira a mascarar sua verdadeira função, a de permitir aos setores dominantes o monopólio das decisões fundamentais. Para tanto conta com apropriadas instâncias e mecanismos de veiculação ideológica, cujo alcance transpõe os muros do Estado, alcançando, com sucesso considerável, instituições de referência da sociedade civil. E sempre que se apresente uma eventual disfunção em alguma parte do sistema, a comprometer ainda que levemente a continuidade do todo, entram em cena seus aparelhos repressivos (o sistema penitenciário, as forças armadas e auxiliares). Também a esse propósito, a história da sociedade brasileira se acha pontilhada de trágicas ilustrações, dentre as quais a saga do Quilombo dos Palmares, o desfecho da experiência de Canudos, a organização das Ligas Camponesas – só para mencionar apenas três casos.
            Outra marca forte desse formato de gestão de nossa sociedade reside no regime de governo. O Presidencialismo cai como uma luva para o caso da sociedade brasileira. Não que ela pudesse ser substancialmente diferente, caso adotasse o Parlamentarismo. A lógica de gestão continuaria, ainda assim, a ter a cara dos setores dominantes, ainda que em tom talvez menos explicitado. No Presidencialismo, as coisas parecem bem mais encaixadas. A tônica da gestão recai excessivamente sobre os indivíduos - alcançando especial hipertrofia no Executivo - mesmo não sendo estes indivíduos capazes de arcar isoladamente com as atribuições que lhes são imputadas – nem em termos de ganhos nem em termos de fracassos. Mas, é o indivíduo que, no imaginário coletivo, figura como “o” responsável pelos feitos (positivos e negativos): “Foi graças a X”, “Foi culpa de Y”...
            A isto temos chamado de “cultura presidencialista”, à medida que se estende para bem além da percepção da sociedade política, impregnando amplas parcelas do conjunto da sociedade. A freqüente referência ou remissão aos diferentes períodos de gestão de sociedade, por meio da expressão “Governo X”, “Governo Y”, “Governo Z”, tem pouco ou nada a ver com o coletivo da gestão, no referido período, e, sim, com a figura individual “X”, “Y” ou “Z”. Daí a ampla aceitação como “natural” do “Eu fiz”, “No meu governo”, etc.
            Em tal contexto, resulta extremamente difícil trabalhar-se uma idéia de gestão de sociedade como prática necessariamente coletiva (o que não deve implicar apaga o papel do indivíduo), prática grupal, comunitária, feita em mutirão. Daí também a extrema dificuldade de se trabalhar experiências de gestão por conselhos, células, núcleos ou que outros nomes tenham. Conselhos autogestionários e, ao mesmo tempo, inter-relacionados nas tomadas coletivas de decisão. Não se trata de conselhos oficiais, quase sempre absorvidos pelo Estado, ainda quando formalmente representem segmentos da sociedade civil.
            Uma gestão de sociedade alternativa ao sistema capitalista – ou a qualquer sociedade de classes – há que comportar outro tipo de relação entre seus membros. Relação de autonomia, não de dependência; relação de protagonismo, não de passividade; relação de solidariedade, não de isolamento; relação de igualdade entre protagonistas, não de privilégio de uns à custa do escanteamento de tantos; relação de respeito à diversidade, não de uniformidade; relação de horizontalidade, não de verticalidade... Marcas que se devem verificar em diferentes dimensões, esferas e âmbitos.
            Como se pode perceber, estamos ainda muito longe de um perfil semelhante de sociabilidade. A manter o atual perfil, acabam não passando de boas intenções as sucessivas iniciativas de mudança. A exemplo das conferências mundiais do tipo das conferências sobre mudança climática. Apostar acriticamente no êxito da Rio + 20, por exemplo, resultaria fazer tábula, não apenas dos resultados obtidos após as últimas conferências, como também, e sobretudo, do caráter de sociedade que temos cultivado.
            Por outro lado, não se trata de cruzar os abraços, sob o pretexto de que nada valha a pena, enquanto durar o atual sistema. A mudança deste já se faz em processo, a partir mesmo das iniciativas moleculares que sejamos capazes de protagonizar. Desde que necessariamente grávidas – cada uma delas – desses sinais prospectivos. Falar-se em alternatividade, de um lado, e seguir apostando em passos portadores da mesma lógica hegemônica desmente, por si mesmo, o caráter do propósito.
            Na prática, isto significa um incessante esforço, de nossa parte, em busca de sermos consequentes, de modo a nos dispormos a combater, a partir de, e em nós mesmos, o que acusamos nos outros. Talvez nos possam ajudar questionamentos do tipo:
- Até quando vamos seguir teimando em fazer profissão de amor à Natureza, de um lado, e, por outro, continuar apoiando medidas de evidente prejuízo à mesma?
- De que adianta apostarmos formalmente num modelo de desenvolvimento sustentável, de um lado, e, por outro, fazermos vistas grossas aos efetivos estragos dos megaprojetos, em nome de um progresso que ignora povos, territórios, biodiversidade?
- Que sentido tem para nós criticar as grandes corporações e as potências aliadas, de poluírem o Planeta, de um lado, e, de outro, seguirmos fiéis consumidores de seus produtos atentatórios à vida no Planeta?
- Que sentido faz combatermos as democracias formais, de um lado, e, por outro, seguirmos respaldando seus seu receituário, seus instrumentos e suas trilhas, sob o velho e surrado pretexto de escolhermos os “menos ruins”?
- Qual tem sido a qualidade do nosso empenho em buscar caminhos alternativos a essa ordem criminosa que dizemos combater, mas de cujos produtos e serviços estamos reiteradamente locupletando-nos?
- A despeito da necessária relativização, e até desconfiança quanto à efetividade da Rio + 20, como de conferências similares, quais serão os eixos das inquietações e compromissos sócio-ambientais da representação do Brasil?
- Desconsiderada a tríplice ponderação relativa ao modo de produção, ao modo de consumo e à gestão de sociedade, na relação com o Planeta, que encontra consideráveis ressonâncias tanto na “Carta da Terra” quanto na Declaração de representantes dos Povos, realizada em Cochabamba, reconhecendo a subjetividade, a dignidade e os direitos da Mãe-Terra, cujo espírito tem sido exemplarmente acolhido por sociedades como a da Bolívia e a do Equador, quê podemos esperar de concreto da Rio + 20?
- E, enquanto movimentos sociais populares e outras organizações de base de nossa sociedade, como vamos seguir lutando por esse tríplice espectro de alternatividade: um novo modo de produção, de consumo e de gestão de sociedade, em relação amorosa com o Planeta?

João Pessoa, 12 de março de 2012.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Conselho Municipal de Juventude de Campina Grande terá Assembléia de Constituição!


Organizações de e para Juventude de Campina Grande estão sendo convidadas a participar da constituição do Conselho Municipal de Juventude

Após a aprovação da Lei Municipal 5.121/12 que cria o Conselho Municipal de Juventude de Campina Grande no dia 08 de fevereiro, organizações de e para juventude do município se mobilizam para eleger as organizações que farão parte desta primeira gestão.

O Conselho será composto por 24 membros, sendo 09 representantes do poder público e 15 da sociedade civil que são formadas por jovens ou que tem como público a juventude campinense.

No dia 09 de março será realizada a Assembleia de escolha de representantes da Sociedade Civil para constituição do Conselho Municipal de Juventude. Nesta Assembleia serão eleitas 15 organizações da sociedade civil entre Associações, Fóruns, Redes, Movimentos, ONG’s de e para juventude que atuam no município de Campina Grande, nas áreas de cultura, esporte, pessoas com deficiência, juventude rural, meio ambiente, gênero, diversidade sexual, movimento estudantil, sindical e comunitário.

Então se você faz parte de um movimento ou organização de e para juventude, venha participar. Essa é uma conquista da juventude campinense!

A Pastoral da Juventude, CENTRAC, AJURCC, CUFA, Rede de Jovens do Nordeste, PJMP, NH2C, Flor&Flor, são algumas das organizações que já confirmaram presença.

O Conselho Municipal de Juventude é o órgão de representação da população jovem, é um órgão normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador da política básica e supletiva e das ações governamentais e não governamentais voltadas para a juventude e tem como objetivos, dentre outros, formular diretrizes da Política Municipal direcionada às juventudes, inclusive fixando prioridades para a definição das ações correspondentes e a aplicação dos recursos; zelar pela execução da política municipal voltada para a juventude; incentivar e apoiar a realização de eventos, estudos, pesquisas e capacitação de pessoal, no campo da promoção e defesa dos e das jovens.

Expediente:
Evento: Assembleia de escolha de representantes da Sociedade Civil para constituição do Conselho Municipal de Juventude

Data: 09 de março de 2012
Horário: das 13:00h às 18:00h  
Local: Auditório do CTE - por trás do Museu Vivo da Ciência no Largo do Açude Novo

Para mais informações:
Ana Patrícia Sampaio – Assessora Técnica do CENTRAC/ Membro da Comissão Pró Conselho de Juventude de Campina Grande
Tels. (83) 3341 2800 ou 9139 5451

Carlos Marinho – Coordenação Nacional da Pastoral da Juventude / Membro da Comissão Pró Conselho de Juventude de Campina Grande
Tels. (83) 9655 5588


Jovens discutem propostas para o desenvolvimento sustentável do campo


Ministro Afonso Florence falando da importância da juventude rural para o desenvolvimento do campo. Foto: Andrea Farias/MDA


Da Página do MDA.
“Eu só vou à cidade quando tenho alguma expectativa de proporcionar melhorias para o campo”. A frase é do agricultor e estudante Oscar Alan Gomes, 23 anos, morador do município de Pão de Açúcar, em Alagoas. Ele veio a Brasília participar do Seminário Temático da Juventude Rural, realizado nesta segunda e terça (5 e 6 de março) pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Com o tema “Ater para a agricultura familiar, reforma agrária e o desenvolvimento do Brasil Rural”, o evento debate diretrizes para as políticas públicas voltadas para a juventude rural.

Nesta terça-feira (6), o ministro Afonso Florence fez questão de se encontrar com os jovens rurais. “O nosso grande desafio é universalizar os serviços de Ater, e universalizar é tratar os desiguais de forma diferente”, frisou. Florence ressaltou a importância de levar o debate sobre as políticas voltadas para a juventude rural para a 1ª CNATER. “É fundamental aperfeiçoarmos a política de Ater para que a juventude e demais segmentos acessem os instrumentos disponíveis e os aperfeiçoem. A Ater é de importância fundamental e com certeza a juventude vai protagonizar importantes decisões na conferência”, declarou.

A estimativa é que 7,8 milhões de jovens morem na zona rural do país. Assim como Oscar, muitos deles estão se mobilizando para que essa juventude permaneça no campo e colabore para o  desenvolvimento sustentável do interior do Brasil. “Os serviços de assistência técnica são muito importantes nesse processo. Nós sabemos muito da produção na prática, mas precisamos de acompanhamento técnico que priorize a extensão rural, que vai manter o jovem no campo”, afirma.

O jovem agricultor concilia o cultivo de grãos e a criação de pequenos animais do sítio da família com as atividades do sétimo semestre da faculdade de pedagogia. “Quero me especializar em educação no campo para fortalecer minha luta pela permanência dos jovens na zona rural. Meu sonho é ouvir o jovem dizer que não tem vergonha de ser rural e assumir sua identidade”, conta.

Kleiton Albuquerque, 25 anos, compartilha do pensamento de Oscar. “A Ater agrega valor na produção, contribuindo diretamente na qualidade de vida no campo”, diz o jovem agricultor familiar. Kleiton mora no município de Cabaceira, a 190 quilômetro de João Pessoa (PB). Lá, ele ajuda o pai na criação de bodes. “Com a minha experiência, percebi que a assistência técnica voltada para a juventude contribui para que os jovens consigam enxergar novas formas de manejo, novas técnicas, novas perspectivas de vida”, revela.

Para potencializar a criação familiar, Kleiton decidiu cursar veterinária. “Meu pai é o veterinário prático da região, vacina todos os animais, mas não tem conhecimento formal. Quero me especializar para colaborar com o desenvolvimento da produção de animais no campo”, justifica.

Extensionista rural há 12 anos, Germano de Barros, 29 anos, do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), acredita que “a Ater precisa ver o jovem como profissional”. “A agricultura não é só uma questão de aptidão, mas sim de profissionalização. Se o jovem tiver recursos, ele vai querer permanecer no campo, e a assistência técnica precisa ter essa visão e identificar as potencialidades da juventude rural”, ressalta. 

Diretrizes 
Devido a essa importância, faz-se fundamental discutir as políticas voltadas para juventude rural, especialmente as relacionadas à Ater. “A juventude rural é um dos maiores grupos etários organizados no campo. Este seminário foi o primeiro momento em que a juventude rural sentou para debater a política nacional de Ater. Saímos daqui entusiasmados com a perspectiva que a colocaremos a fundo o tema da juventude no centro do de bate das políticas públicas”, afirma a assessora especial da Juventude do MDA, Ana Carolina Silva.

Cerca de 40 lideranças jovens de diversos cantos do Brasil participaram do seminário. Os participantes discutiram proposições de modificações e criação de políticas públicas direcionadas ao setor. As propostas serão levadas para a 1ª Conferência Nacional sobre Assistência Técnica e Extensão na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (1ª CNATER), que acontece em abril, em Brasília.

Objetivos específicos 
O Seminário Temático da Juventude tem como objetivo motivar, envolver, organizar e qualificar a participação política da juventude rural na 1ª CNATER - Conferência Nacional da Assistência Técnica e Extensão Rural estabelecendo estratégia da participação dos jovens que estão na ponta do processo nas decisões das conferências territoriais e estaduais.

O MDA pretende incluir as proposições que surgirem dos debates no Documento Base da CNATER, estabelecer estratégias de participação para aprimorar o debate acerca dos temas de interesse da juventude rural nas conferências territoriais e estaduais. Além disso, espera-se ter maior participação dos jovens na conferência nacional através da eleição de delegados e delegadas jovens nas conferências estaduais.