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quinta-feira, 15 de março de 2012

CONDIÇÕES INARREDÁVEIS DE CONVIVÊNCIA SAUDÁVEL COM O PLANETA, COM OS VIVENTES E ENTRE OS HUMANOS:


Questionamentos em vista da Rio + 20, e para além dela...

Alder Júlio Ferreira Calado


            De acontecimentos impactantes está repleto 2012. Dentre eles, a Conferência Rio + 20, os preparativos para a Copa do Mundo e as eleições no Brasil e outros países. De certo modo, situam-se – uns mais, outros menos – num plano mais lúdico ou de efeito pirotécnico. Fazem parte, até certo ponto, do “déjà vu”. Diante deles, se não devemos alimentar um olhar de subestimação, tão pouco nos convém – a quem se posicione a favor dos clamores da Terra, dos viventes e dos injustiçados - superestimá-los. Basta que os situemos no seu devido lugar. Esse é o sentimento a partir do qual seguem alguns registros e ponderações.
            Investir o melhor de nossa esperança no processo eleitoral – aqui e alhures – seria fazer vistas grossas a reiteradas apostas fracassadas, ao menos quanto aos nossos objetivos macro-sociais. Essa tem sido a regra. No varejo, sempre se colhe alguma coisa de positivo. Migalhas são distribuídas com tal pirotecnia – não é à-toa o percentual do erário destinado ao “marketing” político! - que aos olhos de não poucos, passa despercebido com quem fica realmente a parte substantiva do bolo orçamentário...
Ainda que tivesse havido séria reforma política – e com isso não me iludo! Não só eu, aliás: há inclusive parlamentares da base aliada e da oposição que assim pensam, e alguns que têm a coragem de dizê-lo de público! –, cumpre lembrar que, por meio das eleições, querendo ou não, estamos a legitimar a continuidade da lógica do sistema. As democracias ocidentais delas se valem, como sustentação meramente formal. Passado o período eleitoral, a coisa se passa como se tem passado, e já não temos o direito de confessar-nos inocentes...
            Ao fazer tal constatação, não nos move um sentimento de um denuncismo estéril, impotente. Somos, antes, impulsionados a ousar tentar outras formas possíveis de organização social. Já sabemos no que dá a atual...
Bem funcional a essa mesma lógica sistêmica, têm-se apresentado, em escala mundial e com um “marketing” avassalador, as gestões visando a garantir a realização, no Brasil, da próxima edição da Copa do Mundo, não sem contar com uma infraestrutura perdulária e mesmo escandalosa. À semelhança de outros mecanismos componentes do “sistema totalitário mercantil” (cf. filme-documentário “De la servitude moderne” ou “El orden criminal del mundo”:
a forma empresarial assumida pelos esportes, em particular o futebol, cumpre bem uma função legitimadora, coonestadora do sistema, especialmente no que diz respeito à função diversionista, de espetáculo, a evocar o famigerado “pão e circo” da Roma antiga...
            Indigna-nos constatar, com sinais cada vez mais impactantes, o caráter mafioso que tem campeado nas instâncias empresariais que organizam o futebol, em diferentes âmbitos, de modo a tornar uma arte tão fascinante (sou torcedor do União, em Pesqueira; do Treze, em Campina Grande; do Sport, em Recife; do Vasco, no Rio; do Santos, em São Paulo) numa empresa mafiosa das mais perdulárias. Quem ganha com essa estrutura? Que critérios de decisão seguem suas instâncias organizativas? Como e por quanto tempo são eleitos seus “representantes”? Há algo mais detestável do que a forma de organização e gestão da FIFA e das instâncias a ela subordinadas, mundo afora? Uma verdadeira ditadura suportada, não apenas pelo Mercado e pelo Estado, também por enorme massa de cidadãos e cidadãs... Até quando?
            Ainda que esses três acontecimentos (Copa, Rio + 20 e eleições) se achem relacionados, de algum modo, nosso intento aqui é de centrar mais atenção na Conferência Rio + 20, ou, mais precisamente, em três pontos que hão de continuar desafiando-nos, para bem além da Rio + 20 e conferências similares. Refiro-me ao modo de produção, ao modo de consumo e à gestão de sociedade, em sua interação com o Planeta.
            Se há algo sobejamente provado e comprovado – e não apenas em razão das últimas e definitivas crises do Capitalismo – é que não há a mínima chance de sobrevivência do conjunto dos humanos e demais viventes, dentro das condições capitalistas de existência, desde seu modo de produção e de consumo, passando pela sua forma de organização política, até sua grade de valores.
Se tomamos como foco, por exemplo, a questão sócio-ambiental, no mundo e no Brasil, e as respectivas políticas em curso (a exemplo da chamada Transposição do São Francisco e da hidrelétrica Belo Monte), são abundantes e convincentes os sinais desse modo de produção: o desenfreado aquecimento global, a mudança climática, a crescente escassez de água doce, os crescentes níveis de comprometimento da saúde dos rios, dos oceanos (os crescentes e gigantescos acidentes provocados pela insana exploração de petróleo e outras matrizes energéticas, inclusive a atômica, nocivas ou ameaçadoras do da vida no Planeta), o caráter deletério das matrizes energéticas dominantes, a lógica prevalecente da exploração de minérios, o abuso de agrotóxicos, o envenenamento dos rios, dos mananciais de água, da vegetação, dos alimentos e dos humanos... Sugiro a quem ainda não tenha visto, ter acesso, via Youtube, ao filme-documentário “O veneno está na mesa”, do diretor Sílvio Tendler:
            Ainda no plano do modo de produção vigente, importa assinalar igualmente os frutos nocivos do mesmo “sistema totalitário mercantil”: acentuada concentração de riquezas, grande parte das quais auferidas em cima da indústria bélica/de armamentos; do tráfico de drogas; da mercantilização da saúde, sob uma vasta multiplicidade de formas; as profundas desigualdades sociais espalhadas mundo afora; privatização das fontes de vida (terra, água, florestas...); os mecanismos escandalosos do capital financeiro, inclusive por meio de seus paraísos fiscais blindados; o controle ditatorial da mídia comercial, sob desavergonhados pretextos de “liberdade de imprensa”; submissão dos Estados nacionais aos interesses e às políticas econômicas ditadas pelos grandes conglomerados transnacionais...
            Quanto ao modo de dc consumo, os estragos não são menores. Desafio enorme! Sim, porque o Capital é fundamentalmente, como se sabe, uma relação social, em todos os seus componentes: da produção à circulação; da troca ao consumo, passando pelas instâncias de decisão e pelas manifestações culturais e até religiosas (“Pequenas igrejas, grandes negócios...).
No caso específico do modo de consumo, as relações capitalistas impregnam de tal modo as estruturas do Mercado (e de seus parceiros, a começar pelo Estado), que é capaz de a todos converter em súditos. A dinâmica do modo de consumo expressa-se, por exemplo, pela sua enorme capacidade de produzir em série “necessidades” de todo tipo. Necessidades artificiais que passam a impulsionar sobremaneira o movimento de compra e venda. Nem o público infantil é poupado, fazendo-se inclusive de forma mais perversa, no caso da oferta desmedida de produtos e serviços que estimulam e hiper-erotizam precocemente meninas em tenra idade, logo transformadas artificialmente em ávidas consumidoras de produtos e serviços  destinados ao público adulto feminino.
            Pode-se imaginar a enorme variedade de produtos e serviços completamente inúteis ou mesmo nocivos, objeto de intenso bombardeio sobre tantos outros segmentos da população. Nem faltam, nesse sentido, apelos sedutores ao consumo exacerbado de produtos e serviços destinados a felinos, a caninos, etc. Aí são investidos bilhões de dólares! E a moda já ““pegou” no Brasil!...Na esteira desses exemplos, tantas outras situações podem servir de ilustração...
            Por outro lado, nunca é demais assinalar que, sendo o consumo também uma relação social, isto significa, concretamente, que, se há tanto sucesso para um serviço do tipo do famigerado Big Brother Brazil, é porque ele conta com fiel audiência de seu “distinto público”. E, também aqui, de modo semelhante ao que se passa no caso do processo eleitoral – em que é fácil acusar-se o “político ladrão”, e silenciar-se quanto à responsabilidade ético-política do eleitor -, ocorre uma efetiva colaboração na obtenção de sucesso de tais iniciativas.
            Muito ainda temos a percorrer, igualmente – e ainda quanto aos apelos consumistas do Mercado -, em atitudes proativas de efetiva cidadania, assumindo nossa parcela de responsabilidade nesse processo. Ampla é a lista de serviços, de produtos eletrônicos, de produtos alimentícios e bebidas que consumimos, com pouco ou nenhum respeito tanto à nossa saúde quanto ao bem do Planeta: dos refrigerantes aos transgênicos; de carros de marca a uma vasta gama de produtos eletrônicos e tantos outros produtos industrializados... E o quê dizer dos medicamentos, bem ao estilo da medicina mercantil? Quem ganha com isso? Quem perde? Isto não quer dizer que, fazendo nossa parte individual, abdiquemos da luta coletiva. Uma coisa deve implicar necessariamente a outra. Mas, já não se admite como justificável a versão de que não adianta ocupar-nos das pequenas coisas: temos que atacar as grandes coisas. Por que não as duas, até porque elas se acham mutuamente ligadas?
            O terceiro ponto ao qual antes aludimos, é concernente à gestão de sociedade, que também aqui focamos de modo dinamicamente articulado aos aspectos antes tratados. Com efeito, tanto o modo de produção quanto o modo de consumo interagem dialeticamente entre si e com a forma de gestão de sociedade. Nenhum deles é possível compreender adequadamente, de forma isolada. Fazem parte de uma rede de relações. Se aqui enfocamos cada um, de modo específico, isto se deve a uma opção metodológica de exposição. No caso específico da gestão de sociedade, esta obedece às diretrizes fundamentais do mesmo sistema.
Seus elementos constitutivos bem se encaixam na configuração geral do sistema, cujos frutos comportam a mesma marca. As sociedades capitalistas assumem o formato ocidental de democracia representativa, tendo como referência maior, além do Mercado, também o Estado e respectivos aparelhos. Regem-se com base na dita separação de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), cada qual agindo formalmente em seu domínio específico, pretensamente de modo autônomo e harmonioso. Isto como diretriz formal. No realismo do dia-a-dia, as coisas não se passam bem assim, bem o sabemos... O aparelho legislativo, por seu turno, organiza-se na dinâmica dos partidos políticos, nas esferas federal, estadual e municipal, a título formal de representação dos distintos segmentos da sociedade. Na prática, como regra, num espectro de cerca de trinta partidos, eles mal representam seus próprios interesses...
            Há outros componentes complementares. Um deles: o processo eleitoral. As eleições periódicas (a cada dois anos) constituem um traço relevante na configuração das democracias representativas, à medida que correspondem ao elemento mais fortemente ligado à legitimação do sistema.
            Na prática, no entanto, esse formato esconde - mais do que é capaz de mostrar -as contradições insolúveis do sistema. Presta-se sobremaneira a mascarar sua verdadeira função, a de permitir aos setores dominantes o monopólio das decisões fundamentais. Para tanto conta com apropriadas instâncias e mecanismos de veiculação ideológica, cujo alcance transpõe os muros do Estado, alcançando, com sucesso considerável, instituições de referência da sociedade civil. E sempre que se apresente uma eventual disfunção em alguma parte do sistema, a comprometer ainda que levemente a continuidade do todo, entram em cena seus aparelhos repressivos (o sistema penitenciário, as forças armadas e auxiliares). Também a esse propósito, a história da sociedade brasileira se acha pontilhada de trágicas ilustrações, dentre as quais a saga do Quilombo dos Palmares, o desfecho da experiência de Canudos, a organização das Ligas Camponesas – só para mencionar apenas três casos.
            Outra marca forte desse formato de gestão de nossa sociedade reside no regime de governo. O Presidencialismo cai como uma luva para o caso da sociedade brasileira. Não que ela pudesse ser substancialmente diferente, caso adotasse o Parlamentarismo. A lógica de gestão continuaria, ainda assim, a ter a cara dos setores dominantes, ainda que em tom talvez menos explicitado. No Presidencialismo, as coisas parecem bem mais encaixadas. A tônica da gestão recai excessivamente sobre os indivíduos - alcançando especial hipertrofia no Executivo - mesmo não sendo estes indivíduos capazes de arcar isoladamente com as atribuições que lhes são imputadas – nem em termos de ganhos nem em termos de fracassos. Mas, é o indivíduo que, no imaginário coletivo, figura como “o” responsável pelos feitos (positivos e negativos): “Foi graças a X”, “Foi culpa de Y”...
            A isto temos chamado de “cultura presidencialista”, à medida que se estende para bem além da percepção da sociedade política, impregnando amplas parcelas do conjunto da sociedade. A freqüente referência ou remissão aos diferentes períodos de gestão de sociedade, por meio da expressão “Governo X”, “Governo Y”, “Governo Z”, tem pouco ou nada a ver com o coletivo da gestão, no referido período, e, sim, com a figura individual “X”, “Y” ou “Z”. Daí a ampla aceitação como “natural” do “Eu fiz”, “No meu governo”, etc.
            Em tal contexto, resulta extremamente difícil trabalhar-se uma idéia de gestão de sociedade como prática necessariamente coletiva (o que não deve implicar apaga o papel do indivíduo), prática grupal, comunitária, feita em mutirão. Daí também a extrema dificuldade de se trabalhar experiências de gestão por conselhos, células, núcleos ou que outros nomes tenham. Conselhos autogestionários e, ao mesmo tempo, inter-relacionados nas tomadas coletivas de decisão. Não se trata de conselhos oficiais, quase sempre absorvidos pelo Estado, ainda quando formalmente representem segmentos da sociedade civil.
            Uma gestão de sociedade alternativa ao sistema capitalista – ou a qualquer sociedade de classes – há que comportar outro tipo de relação entre seus membros. Relação de autonomia, não de dependência; relação de protagonismo, não de passividade; relação de solidariedade, não de isolamento; relação de igualdade entre protagonistas, não de privilégio de uns à custa do escanteamento de tantos; relação de respeito à diversidade, não de uniformidade; relação de horizontalidade, não de verticalidade... Marcas que se devem verificar em diferentes dimensões, esferas e âmbitos.
            Como se pode perceber, estamos ainda muito longe de um perfil semelhante de sociabilidade. A manter o atual perfil, acabam não passando de boas intenções as sucessivas iniciativas de mudança. A exemplo das conferências mundiais do tipo das conferências sobre mudança climática. Apostar acriticamente no êxito da Rio + 20, por exemplo, resultaria fazer tábula, não apenas dos resultados obtidos após as últimas conferências, como também, e sobretudo, do caráter de sociedade que temos cultivado.
            Por outro lado, não se trata de cruzar os abraços, sob o pretexto de que nada valha a pena, enquanto durar o atual sistema. A mudança deste já se faz em processo, a partir mesmo das iniciativas moleculares que sejamos capazes de protagonizar. Desde que necessariamente grávidas – cada uma delas – desses sinais prospectivos. Falar-se em alternatividade, de um lado, e seguir apostando em passos portadores da mesma lógica hegemônica desmente, por si mesmo, o caráter do propósito.
            Na prática, isto significa um incessante esforço, de nossa parte, em busca de sermos consequentes, de modo a nos dispormos a combater, a partir de, e em nós mesmos, o que acusamos nos outros. Talvez nos possam ajudar questionamentos do tipo:
- Até quando vamos seguir teimando em fazer profissão de amor à Natureza, de um lado, e, por outro, continuar apoiando medidas de evidente prejuízo à mesma?
- De que adianta apostarmos formalmente num modelo de desenvolvimento sustentável, de um lado, e, por outro, fazermos vistas grossas aos efetivos estragos dos megaprojetos, em nome de um progresso que ignora povos, territórios, biodiversidade?
- Que sentido tem para nós criticar as grandes corporações e as potências aliadas, de poluírem o Planeta, de um lado, e, de outro, seguirmos fiéis consumidores de seus produtos atentatórios à vida no Planeta?
- Que sentido faz combatermos as democracias formais, de um lado, e, por outro, seguirmos respaldando seus seu receituário, seus instrumentos e suas trilhas, sob o velho e surrado pretexto de escolhermos os “menos ruins”?
- Qual tem sido a qualidade do nosso empenho em buscar caminhos alternativos a essa ordem criminosa que dizemos combater, mas de cujos produtos e serviços estamos reiteradamente locupletando-nos?
- A despeito da necessária relativização, e até desconfiança quanto à efetividade da Rio + 20, como de conferências similares, quais serão os eixos das inquietações e compromissos sócio-ambientais da representação do Brasil?
- Desconsiderada a tríplice ponderação relativa ao modo de produção, ao modo de consumo e à gestão de sociedade, na relação com o Planeta, que encontra consideráveis ressonâncias tanto na “Carta da Terra” quanto na Declaração de representantes dos Povos, realizada em Cochabamba, reconhecendo a subjetividade, a dignidade e os direitos da Mãe-Terra, cujo espírito tem sido exemplarmente acolhido por sociedades como a da Bolívia e a do Equador, quê podemos esperar de concreto da Rio + 20?
- E, enquanto movimentos sociais populares e outras organizações de base de nossa sociedade, como vamos seguir lutando por esse tríplice espectro de alternatividade: um novo modo de produção, de consumo e de gestão de sociedade, em relação amorosa com o Planeta?

João Pessoa, 12 de março de 2012.

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